Calendoscopiando a Alma!

"todo poema é uma aventura planificada" (C.L.)


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segunda-feira, 14 de julho de 2014

A PROSTITUTA SAGRADA

Meus pêsames a aqueles que trancafiaram suas esposas em casas de vidro, aos que foram às ruas praticar a arte da retórica com seus aprendizes eunucos. Que só ouvem, mas não lhes dão os prazeres da carne. Sei o quanto vocês, mortais inseguros, se sentem frustrados. Aqueles que, como os Sátiros, se julgam interlocutores de animais, meus pesares. Nem todos os animais estão dispostos a trocarem diálogos com vocês, queridos ególatras das noites de bacanais. E agora que as mulheres de bem se encontram encarceradas, e têm seus sonos velados pela mais ciumenta das deusas, duvido que Hera os permita violá-las. Mas não se preocupem, homens de todos os gêneros, tão desgostosos de não terem onde saciarem seus desejos mais sórdidos, eis que a ninfa, para alguns, ou a Afrodite , para poucos, chegou na cidade.
Ninfa serei àqueles que como bestas ejaculam apenas os falsos risos e as máscaras de suas alegrias contidas em dentes amarelos carcomidos pelos vícios. Preparei-me ninfa, Dríade ou outro tipo, para vocês gordos comilões das tardes de domingo. Os que sem nada para fazer além de jogar os restos de carne fétida aos chacais de circo. Eu estou aqui, cheguei há pouco. E por não conviver com tantos lobos ainda me encontro virgem de minhas faculdades. A singeleza da natureza e a inocência dos animais sem razão ainda se pode encontrar neste corpo branco de seios rosa e cheiro de flor. Fui preparada por Hera e Atenas para dar prazer e divertir, sem ao menos expressar qualquer dor, medo, ou repulsa a qualquer que queira submeter-me aos seus caprichos. Fui domesticada por Zeus, amedrontada por Hades e violada tantas vezes por Posseidon que já podem derramar seus líquidos viscosos e grossos sobre o meu clitóris sem que eu me faça reclamar.
O que aconteceu então, pequena ninfa bacante? Alguma coisa no caminho para a cidade cinza a fez chegar diferente do inicio, do propósito para o qual foi criada... Contarei agora a vocês o ponto de intersecção das dores do mundo em minha trajetória: No caminho para a cidade fui desviada da estrada que seguia por uma aparição sedutora! Ela me guiou para uma estrada de lama, afastada do caminho oficial. Surgiu nua, a tocar os seios e impor sobre suas coxas uma tocha acesa, o fogo da sedução. Não me disse uma só palavra apenas tocou com os seus os meus lábios. No momento me deliciei de seu corpo de mulher, algo que nunca pude apreciar, a não ser de longe, mas no momento do gozo me vi, e nunca havia me percebido, violada. Ela se foi, com sua risada de deboche sem olhar para trás, sabendo que a mancha sobre o trabalho árduo de suas rivais, Hera e Atenas, havia sido findado. E em mim? Fez-se a guerra de Tróia...
Já não era mais a ninfa inocente, já não podia disfarçar a repulsa dos mortais, animais. Mas valendo-me dos anos que aprendi a fingir o que não era fui confiante para a cidade. Passados alguns semi-deuses e mortais sedutores enfim encontrei meu destino. Batom vermelho nos lábios, coxas grossas trabalhadas pela caminhada na floresta e dentes brancos que encantavam em meio aos sorrisos sedutores me sentei em uma taverna.  Pedi um whisky sem gelo e acendi um cigarro. Ali, meio menina, só os poucos, talvez Dionísio em sua malícia de anos, perceberiam que por trás de tão linda crina se escondiam as cobras que segavam aqueles que ousassem olhar de perto. Agora eu era meio ninfa, meio Afrodite e sempre que necessário uma Medusa sem piedade.
Os corações de pedra não me amedrontavam, pois por minhas habilidades de sedução no olhar era capaz de enxergá-los além das fachadas. O método? Sempre o mesmo... Resquícios da minha educação do Olimpo.  A primeira vista pouco falava, parecia ser submissa e cheia de timidez... Mas ao terceiro trago eu me transformava. Ainda falando pouco, tecia os mais belos elogios que eram capazes de dobrar até mesmo os mais safos dos ególatras. E se não conhecia sobre o que se falava, sorria, tocava em minhas coxas e logo tudo era desvelado. Possuía quantos homens quisesse e estudava a forma de saciá-los. E saciava-me. No entanto, ao primeiro raio da alvorada já sumia para a minha caixa de pandora... Sem rastros. Sobre a cama apenas o perfume da noite de amor selvagem.
Os anos, meus queridos, foram passando, a beleza cada vez mais escassa, tímida e sem luz... Tudo porque o meu ego me fez achar que nunca perderia o vigor das minhas habilidades de mulher dionisíaca... Então me tranquei em minha caixa e lá, fui retirando as máscaras que machucavam... Perdi-me nos anos até que a morte me foi selada...
Passaram-se dias, semanas e era até que um Sátiro encontrou a caixa de Pandora... Como todo Sátiro, curioso e cheio de vaidades apenas abriu... e Bum! És que a ninfa ressurgiu ao seu lado... Como uma Prostituta Sagrada!

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